17 abril, 2012


Escritor rima com desamor. Rima com espera, com quimera, com desejo, com vontade. Escritor quase nunca rima com verdade, embora a verdade esteja lá quase sempre, no fundo de todas as ideias e de todos os medos. Escritor rima com secretária, mas não rima com escritório. Rima com trabalho, mas não rima com emprego. Rima mais com sonho do que com pesadelo. E com morte mais do que com vida. E quando rima com vida, é uma vida perdida, esquecida atrás de livros, prateleiras infinitas, altas, escuras e opacas como toda a escrita. Escrita rima com alma, com medo, com solidão. E fala mais alto sempre que ouve a palavra não. A escrita tem medo de muitas palavras. Talvez é uma delas. Hoje talvez escreva. Talvez este romance seja o tal, talvez venda muito, talvez não. E se é outra que tal? E se nunca conseguir escrever? E se me esquecer como é? Se perder a mão e, de repente, como se me apagassem a cabeça com uma borracha, me esquecesse como nascem as ideias, como crescem os personagens, como se constroi uma historia? E se tudo o que fiz ate agora nao me servir de nada? E se me perder no labirinto de palavras, na grande teia dos medos, em dias iguais uns aos outros, todos igualmente tristes quando não escrevo, porque ás vezes é demasiado facil a ponto de se tornar insuportável?
Escrita rima com deserto e os amores são como oásis. Nunca sabemos quem lá está, até podem ser miragens. Lugares demasiado pequenos para se poder lá viver. Falta-lhes espaço e tempo, sobra-lhes a magia dos momentos. Momentos perdidos no tempo como lágrimas. Escrever é querer ser heroi todos os dias, e ser heroi todos os dias cansa muito mais do que viver, do que trabalhar na estiva, é quase como estar preso. Querer sair do nosso mundo e não encontrar a porta. Abrem-se muitas janelas quando se escreve, e quanto mais se escreve, mais janelas se abrem. Mas as portas, nao. Não há portas, há apenas frestas, suficientemente largas para se poder assistir as espectáculo do mundo, demasiado estreitas para se puder fugir por elas. Estamos presos nos livros que escrevemos, nos livros que amamos, nos livros que nunca vamos conseguir escrever. Vivemos amarrados ás mesmas ideias. Mentiras, disfarces, vinganças, ajustes de costas, traumas, ambições, segredos. Só poetas colam a alma ao papel sem filtros nem pretensões. Esses sim, são herois verdadeiros, porque antes de heroi, sao sempre verdadeiros, antes e depois de se sentarem á secretaria. Usam sempre as palavras certas. Nem mais, nem menos. E fazem música com elas. Esses sim, aceitam o exílio como condição natural. Em vez de chorarem, escrevem. E escrevem pouco, porque pouco é muito mais do que muito. Escrevem com o coração, mesmo quando o pedem emprestado. Não roubam nada, não são ladrões como nós.
Escrevo sempre sem parar. Escrevo para não enlouquecer, para nunca me esquecer quem sou, para não me cansar do mundo. Já pensei escrever era uma forma de tocar a eternidade, mas a eternidade não existe. Nem os deuses la vivem. Escrevo pra não adoecer, para fazer companhia aos outros, mesmo quando os outros se esquecem que antes e depois das palavras, sou uma pessoa igual ás outras. O meu coração escreve enquanto estou a dormir. Deve ser por isso que escrevo ao acordar, como uma condenada, como se amanha fosse crucificada. E quando não escrevo, sinto-me vazia. Ou melhor, esvaziada. A minha vida sem escrita é quase nada. E quase tudo, sempre que escrevo.

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Incerta

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Vivi iludida durante tanto tempo, julgando o que amor era feito de grandes arrebatamentos! Até o será, certamente, para os espíritos apaixonados. Mas tem de haver muito mais. Momentos perdidos no tempo não enchem os dias(..)Apaixonamo-nos por aquilo que não conhecemos e amamos aquilo que conhecemos(..)Quando duas pessoas foram tão próximas como nós e viveram essa proximidade de uma maneira única, aquilo a que tão raramente podemos chamar intimidade, há marcas que ficam para sempre na nossa memoria, sendo por isso inútil, e até ingénuo, tentar apaga-las… Tu vives em mim por tudo o que representaste de bom e que foste de mau.